UMA SÓ NATUREZA

Ainda travo intensos diálogos sobre o tempo com minha avó.

Com ela aprendi a usar os ossos da mão para lembrar os meses que possuem 31 dias, a saber que pelas letras do nome do mês descobrimos se é a estação de determinada fruta, a reconhecer que o silêncio é, de todos, o melhor tempo para esquecer amores e rancores. Minha avó conhecia os segredos do tempo como ninguém, e com ela aprendi, também, que as árvores e os bichos são tão importantes quanto os homens - todo o universo uma coisa só.

Agora, busco com ela entender a aceitação do tempo da morte. Será que ela continua cuidando de jardins antes do amanhecer? Será que lhe foi permitido ficar horas apreciando a grandiosidade de uma montanha?

O pouco que já aprendi com minha avó sobre o tempo da morte me traz algum consolo: toda vez que dela quase morro de saudades, imagino sua luta com deuses e discípulos para abolir de vez a comemoração de aniversários. Não por vaidade ou problemas com a velhice, mas por ser impróprio e desrespeitoso fotografar os anos - ficar lembrando que nascemos é implicar com a morte.

Hoje, quando ela completaria 99 anos de vida, prefiro então falar dos seus 15 anos de morte, período em que ela, certamente, já incluiu no calendário oficial do tempo de deuses e discípulos um dia dedicado a derrubar as cercas entre lares, hortas, pomares e currais - porque é tudo mesmo, minha avó, uma só natureza.

 


2008